segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A Arte da Dedução

Segue mais um conto que fiz para concorrer no Concurso de Contos, ambientados no mundo de Nova Ether - criado pelo Escritor Raphael Draccon.
O cheiro de ferrugem ainda impregnava seu nariz e os olhos refletindo o terror que havia passado, ainda olhavam para ele. Por mais que tentasse, Sabino Von Fígaro não conseguia apagar da memória quando encontrara, tarde demais, o corpo esquartejado da irmã, vítima de magia negra.
Sentado, na sala pequena e com estantes abarrotadas de livros, respirou profundamente e procurou se livrar da impressão tão vividamente marcada em sua mente.
Mas, lembranças ruins não desaparecem facilmente.

O professor recostou-se na sua poltrona de couro gasta. Não respondeu a pergunta feita pelo seu mais brilhante aluno. Muito pelo contrário, parecia ignorá-lo. E Sabino observava-o paciente. O brilhante mestre abria as gavetas da escrivaninha com calma, como se cada movimento fosse meticulosamente estudado. Retirou uma pequena caixa de uma delas e depositou-a sobre a mesa. Do bolso interno de seu sobretudo, retirou seu cachimbo curvo. Abriu a caixa e pegou o fumo, enchendo o cachimbo tranquilamente. Acendeu-o e tragou-o de olhos fechados, calmamente, sentindo o sabor aromático e suave.
- A maioria das pessoas vê, mas não sabem observar – o professor falou finalmente, segurando o cachimbo em umas das mãos. A fumaça adocicada difundia-se pelo pequeno cômodo – Um bom observador, ao olhar de relance um indivíduo, pode identificar seu país de origem por suas feições; pelas mãos, a profissão e os meios de vida; o resto da sua história é revelado pelo modo de andar, os maneirismos... e até os fiapos que aderem às suas roupas.
- Mas isso não responde minha pergunta, professor – Sabino apertava as mãos sobre o joelho.
- Engana-se, Sabino. Isso responde tudo!
O aluno fitou o rosto agudo e de nariz aquilino. Os olhos cinzentos e penetrantes de seu mestre o fitavam com interesse, fazendo-o sentir desnudo. Como se aquele olhar pudesse ver através de sua alma.
- Não entendo, professor.
- Claro que não entende. Se entendesse, seria eu o aluno e você o professor. Apesar de muito de minha perspicácia, ser inerente a minha pessoa, com esforço e determinação, poderá um dia aproximar-se do que sou hoje.
- Acredito então, que já saiba se foi aquela mulher que matou minha irmã em um ritual de magia negra.
- Elementar, meu caro Sabino - o professor disse calmamente, dando mais uma tragada em seu cachimbo – Há muito tempo que sei a resposta para essa sua pergunta. A concatenação de meu raciocínio é tão rápida em meu espírito que cheguei a essa conclusão logo que soube que a mulher havia sido presa, suspeita de matar sua irmã.
- E deixou que ela ficasse presa por semanas? – Sabino tentava conter a indignação.
- Meu caro, apesar de seu esforço para beber de minha capacidade intuitiva e se tornar meu discípulo, sua mente e coração estavam mais preocupados em achar um culpado, que descobrir a verdade. Eu precisava ensiná-lo a se libertar de suas amarras. Caso contrário, eu seria tão incompetente como professor, quanto a guarda de nosso reino o é para desvendar crimes.
- Julga que agora estou pronto ? – Sabino perguntou mais calmo.
- Julgo que está preparado para questionar suas próprias convicções... Sendo assim, está no caminho certo para ampliar seus horizontes, e examinar todos os elos que compõe a cadeia de problemas apresentados. Como todas as outras artes, a ciência da dedução e análise só pode ser adquirida por meio de um demorado e paciente estudo. Vamos aos fatos: A mulher foi presa horas depois de o corpo de sua irmã ter sido encontrado esquartejado e os pedaços postos nos vértices de um pentagrama. Sua custódia foi decretada pela guarda, por ser ela a moradora da cabana em que o ritual havia sido feito e o corpo encontrado.
As lembranças de Sabino voltaram vívidas novamente, e ele pôde ver novamente os olhos sem vida que pareciam fitá-lo quando entrou na cabana mal cheirosa. Um embrulho formou-se no estômago do aluno.
- Posso continuar, ou minhas palavras o afetam de tal forma que o impossibilitam de acompanhar meu raciocínio? – O professor falou com frieza.
- Não serão minhas emoções que me impedirão de agarrar aquele que matou Carol – Sabino apertava as mãos tentando conter o que sentia.
- Determinação é uma atitude louvável, caro Sabino. A mulher, cujo nome era Teresa, ao ser privada de sua liberdade, argumentou com seus captores que se encontrava há dias afastada de sua morada, a procura de caça. Havia vestígios de sangue em suas vestes e ela carregava consigo dois exemplares de coelhos abatidos. A guarda não acreditou na mulher e inferiram que o sangue e a cabana eram provas definitivas e inquestionáveis de sua culpa.
- As provas falam por si!
O professor levou o cachimbo mais uma vez a boca, tragando calmamente a fumaça adocicada.
- Quanto a isso, não há o que se questionar. As provas sempre falam por si. Mas, pergunto-lhe, meu astuto aluno. Essas eram as únicas evidências?
Sabino se calou e o sorriso que se formou no rosto do professor, o deixou ainda mais constrangido.
- Esquece-se do mais elementar na arte da dedução: um enigma só é solucionado quando avaliado de todos os ângulos. Uma mente astuta pode facilmente manipular as provas para tentar confundir o observador. No dia em que me chamou para acompanhar a você e a guarda, para examinarmos a pista do local onde sua irmã podia ser encontrada, e, graças ao Criador que o fez, caso contrário aquelas toupeiras acabariam com as provas, chovia. Ou melhor, chovera no dia anterior. Sendo assim, quando chegamos havia pegadas na entrada da cabana. Você reparou nelas?
- Não senhor. Estava mais preocupado em encontrar minha irmã.
- E quando a encontrou, procurou avaliar as pegadas?
- Depois de encontrá-la, eu não conseguia avaliar mais nada.
- Dificilmente alguém o faria – O professor levou o cachimbo a boca mais uma vez – Havia duas pegadas. Uma mais profunda, no sentido de quem está caminhando para a cabana e outra saindo, do mesmo tamanho, mas mais superficial. Levando em conta que o seqüestro de sua irmã era recente, que a terra ainda estava molhada, podemos inferir que aquelas pegadas haviam sido feitas há pouco tempo e que, o assassino trabalhou sozinho e a carregou para dentro da cabana.
- Acredita que não foi a mulher só por ela não ter forças para carregar minha irmã?
- Mais que isso, Sabino. As pegadas eram cinco centímetros maiores que o pé de Teresa. A mulher apresentava arranhões nos braços e pernas que corroboravam com a tese de que estava fora para caçar. E, o mais importante...
O professor abriu uma das gavetas e retirou um objeto enrolado em um pano manchado de sangue.
- A arma do crime – Desembrulhou o objeto, revelando uma adaga.
- Você levou a arma do crime? Se a guarda souber...
- Não poderia deixar tão importante prova na mão daquelas toupeiras. Veja – entregou-a para Sabino – As pegadas denunciavam que o assassino teve que se retirar às pressas. Na afobação em salvar a própria pele, deixou-nos esse presente. É uma arma de excelente qualidade e seu valor é inestimável. Veja o detalhe em ouro. Aquela pobre mulher jamais poderia possuir uma arma dessas.
- Então quem poderia ter sido?
- Elementar meu caro Sabino. Não restam dúvidas de que foi um nobre de Andreanne, haja visto os conflitos existentes nos reinos vizinhos, que exigem a atenção de seus cidadãos. Ainda não posso provar, e, possivelmente nem você poderá fazê-lo no futuro, mas, a justiça tem que ser feita... mesmo que tardia. Avalie os nobres de nossa terra. Lembre-se de seu jeito, de sua forma de se portar, seus maneirismos... de possíveis atos que o denuncie. Quem poderia estar envolvido com magia negra?
Sabino fitou os olhos do professor.
- Conde Edmond Dantes - murmurou.
O professor sorriu e levou o cachimbo mais uma vez à boca, colocou as pernas em cima da escrivaninha e apreciou o gosto da fumaça.
Estava satisfeito. Orgulhoso.
- É um bom aluno. Em breve, o mundo não o verá apenas como meu discípulo. Superará seu mestre, isso tenho certeza.
- Para mim, eu sempre serei o aluno de Sherlock Homes. E jamais o decepcionarei.
- Acredito nisso. O nome Sabino Von Fígaro será respeitado... e reverenciado. E assim, honrará o meu nome e a minha história.

10 comentários:

  1. Muito legal! Bem diferente do outro, vc podia escrever um livro de contos, o que acha? Parabéns!!!!!!! Bjs

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  2. Não havia pensado nisso... obrigado pela dica.

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  3. É parece que vc se superou nesse...
    Não sei se é porque gosto de Sherlock... ,mas gostei mais desse!!!
    E os diálogos e a construção da história achei melhores também.
    Axo que vai ser dificil a competição. srsrsr


    Abraço!

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  4. A competição vai ser difícil mesmo. Tem cada conto incrível... e quando acabo de ler acho que o meu está deixando a desejar. Mas, o mais importante é o treinamento que o concurso está proporcionando. Nesse último conto, por exemplo, consegui escrevê-lo sem nem chegar aos 7.000 caracteres.

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  5. Adorei! Mas mesmo estando melhor como conto, gosto mais do outro!!! Sou mais emocional!!! hauahuahahau

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  6. Para ser sincero, acho que esse está mais bem escrito e foi mais difícil escrever, mas também prefiro a história do outro.

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  7. Percebi que seria referente a Sherloclk pelo título.
    Vi que utilizou diversas vezes a expressão "Elementar", não sei se gosto de ver o Sherlock falando isso... Ele nunca fala,ele nunca falou...E esse é meu desapontamento particular que guardo dos filmes que mostram essa frase como se fosse dele.

    Edmond Dantes é o único personagem que me fez falar "AHHHHHHHHHHH' na saga Dragões de Éter...
    é que não acho que ele seja mal...

    Enfim, o texto tá bem escrito e tem uma boa trama.

    Espero que seja um dos finalistas

    **

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  8. Obrigado pela dica e pelo elogio. Eu não sabia que essa expressão não era usada pelo detetive. Na realidade, nunca li nenhum livro sobre Sherlock Homes, apenas vi os filmes. Usei a expressão para que as pessoas pudessem identificá-lo, visto que a mesma acabou se tornando uma marca. Para poder escrever o conto, pesquisei algumas passagens para tentar reproduzir com mais fidedignidade a forma de agir e de pensar do mesmo. Espero que tenha acertado um pouco.

    Dos personagens de Dragões de Éter, o que eu mais gostava era do Snail.

    Abraço e obrigado pela torcida.

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  9. Marcos,

    Gostei desse conto também. Parece o tipo de coia que realmente pode ter acontecido com o Sabino para ele ficar prepotente como ficou mais velho, ter como mestre Sherlock Holmes...
    Já li um livro do Sherlock, mas não me lembro muito bem do estilo dele como detetive... Seu personagem me lembrou muito o Hercule Poirot, detetive criado pela Agatha Christie. Essa presunção, a forma como ele apresenta os detalhes que pra ele parecem tão óbvios... Recomendo muito a autora, minha preferida NO MUNDO! rs

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  10. Ainda não li Agatha Christie, mas pretendo ler. Depois me mande um e-mail sugerido uma das obras dela.

    Grande Abraço

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